terça-feira, 21 de abril de 2015

A arte de escrever para idiotas (por Marcia Tiburi)

Reproduzo aqui um texto de autoria da filósofa brasileira Marcia Tiburi que merece a nossa leitura e reflexão.

Para aqueles que não lerão este artigo
Em nossa cultura intelectual e jornalística surge uma nova forma retórica. Trata-se da arte de escrever para idiotas que, entre nós, tem feito muito sucesso. Pensávamos ter atingido o fundo do poço em termos de produção de idiotices para idiotas, mas proliferam subformas, subgêneros e subautores que sugerem a criação de um nova ciência.
Estamos fazendo piada, mas quando se trata de pensar na forma assumida atualmente pela “voz da razão” temos que parar de rir e começar a pensar.
Artigos ruins e reacionários fazem parte de jornais e revistas desde sempre, mas a arte de escrever para idiotas vem se especializando ao longo do tempo e seus artistas passam da posição de retóricos de baixa categoria para príncipes dos meios de comunicação de massa. Atualmente, idiotas de direita tem mais espaço do que idiotas de esquerda na grande mídia. Mas isso não afeta em nada a forma com que se pode escrever para idiotas.
Diga-se, antes de mais nada, que o termo idiota aqui empregado guarda algo de seu velho uso psiquiátrico. Etimologicamente, “idiota” tem relação com aquele que vive fechado em si mesmo. Na psiquiatria, a idiotia era uma patologia gravíssima e que, em termos sociais, podemos dizer que continua sendo.
Uma tipologia psicossocial entra em jogo na história, baseada em dois tipos ideais de idiotas: o idiota de raiz, dentre os quais se destaca a subcategoria do idiota representante do conhecimento paranoico, e o neo-idiota, com destaque para o “idiota” mercenário que lucra com a arte de escrever para idiotas.
Vejamos quem são:
1- O Idiota de raiz é fruto de um determinismo: ele não pode deixar de ser idiota. Seja em razão da tradição em que está inserido ou de um déficit cognitivo, trata-se de um idiota autêntico.
O Idiota de raiz divide-se em três subtipos:
1. 1 – Ignorante orgulhoso: não se abre à experiência do conhecimento. Repete clichês introduzidos no cotidiano pelos meios de informação que ele conhece, a televisão e os jornais de grande circulação, em que a informação é controlada. Sua formação é “midiatizada”, mas ele não sabe disso e se orgulha do que lhe permitem conhecer. No limite, o ignorante orgulhoso diz “sou fascista”, sem conhecer a experiência do fascismo clássico da década de 30 e o significado atual da palavra, assim como é capaz de defender sem razoabilidade alguma ideias sobre as quais ele nada sabe. Um exemplo muito atual: apesar da violência não ter diminuído nos países que reduziram a maioridade penal, a ignorância da qual se orgulha o idiota, o faz defender essa medida como solução para os mais variados problemas sociais.  Ele se aproxima do “burro mesmo” enquanto imita o representante do conhecimento paranoico, apresentados a seguir.
1.2 – “Burro mesmo”: não há muito o que dizer. Mesmo com informação por todos os lados, ele não consegue juntar os pontinhos. Por exemplo: o “burro mesmo” faz uma manifestação “democrática” para defender a volta da ditadura. Para bom entendedor, meia palavra…
1.3 – Representante do conhecimento paranoico: tendo estudado ou sendo autodidata, o representante do conhecimento paranoico pode ser, sob certo aspecto, genial. Freud comparava, em sua forma, a paranoia a uma espécie de sistema filosófico. O paranoico tem certezas, a falta de dúvida é o que o torna idiota. Se duvidasse, ele poderia ser um filósofo. O conhecimento paranoico cria monstros que ele mesmo acredita combater a partir de suas certezas. O comunismo, o feminismo, a política de cotas ou qualquer política que possa produzir um deslocamento de sentido e colocar em dúvida suas certezas, ocupa o lugar de monstro para alguns paranoicos midiaticamente importantes.
Curioso é que o representante do conhecimento paranoico pode parecer alguém inteligente, mas seu afeto paranoico o impede de experimentar outras formas de ver o mundo, abortando a potência de inteligência, que nele é, a todo momento, mortificada. Isso o aproxima do “ignorante orgulhoso” e do “burro mesmo”.
Em termos vulgares e compreensíveis por todos: ele é a brochada da inteligência.
2 – O neo-idiota: o neo-idiota poderia não ser um idiota, mas sua escolha, sua adesão à tendência dominante, o coloca nesse lugar. Não se pode esquecer que, além de cognitiva, a inteligência é uma categoria moral. O neo-idiota não é apenas um idiota, mas também um canalha em potencial.
Há dois subtipos de neo-idiota:
2.1 – O “idiota” mercenário quer ganhar dinheiro. Ele serve aos interesses dominantes, mas é um idiota como outro qualquer, porque não ganha tanto dinheiro assim quando vende a alma.
Nessa categoria, prevalece o mercenário sobre o idiota. Por isso, podemos falar de um idiota entre aspas. Ganha dinheiro falando idiotices para os idiotas que o lerão. Seu leitor padrão divide-se entre o “burro mesmo” e o “idiota cool”. Ele escreve aquilo que faz o “burro mesmo” pensar que é inteligente. O idiota cool, por sua vez, se sente legitimado pelo que lê. O que revela a responsabilidade do idiota mercenário no crescimento do pensamento autoritário na sociedade brasileira. Apresentar Homer Simpson ou qualquer outro exemplo de “burro mesmo” como modelo ideal de telespectador ou leitor é paradigmático nesse contexto.
2.2 – O “idiota cool” lê o que escreve o idiota mercenário. Repete suas ideias na esperança de ser aceito socialmente. De ter um destaque como sujeito de ideias (prontas). Ele gosta de exibir sua leitura do jornal ou do blog e usa as ideias do articulista (do representante do conhecimento paranoico ou do idiota mercenário) para tornar-se cool. Ele segue a tendência dominante. Ao contrário do “burro mesmo”, nele sobressai o esforço para estar na moda. Como, diferentemente dos seus ídolos, ele não escreve em jornais ou blogs famosos, ele transforma o Facebook e outras redes sociais no seu palco.
Diante disso, temos os textos produzidos a partir da altamente falaciosa arte de escrever para idiotas. O sucesso que alcançam tais textos se deve a um conjunto de regras básicas. Identificamos dez, mas a capacidade para escrever idiotices tem se revelado engenhosa e não deve ser menosprezada:
1-    Tratar como idiota todo mundo que não concorda com as idiotices defendidas. O texto é construído a partir do narcisismo infantil do articulista. O autor sobressai no texto, em detrimento do argumento. Assim ele reafirma sua própria imagem desqualificando a diferença e a inteligência para vender-se como inteligente.
2-    Não deixar jamais que seu leitor se sinta um idiota. Sustentar idiotices com as quais o leitor (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) se identifique, o que faz com que o mesmo se sinta inteligente.
3-    Abordar de forma sensacionalista qualquer tema. Qualquer assunto, seja socialmente relevante ou não, acaba sendo tratado de maneira espetacularizada.
4-    Transformar temas desimportantes em instrumentos de ataque e desqualificação da diferença. Por exemplo, a “depilação feminina” já foi um assunto apresentado de modo enervante, excitante, demonizante e estigmatizante. Nesse caso, o preconceito de gênero escondeu a falta de assunto do articulista.
5-    Distorcer fatos históricos adequando-os às hipóteses do escritor. Em uma espécie de perversão inquisitorial, o acontecimento acaba substituído pela versão distorcida que atende à intenção do autor do texto para idiotas.
6-    Atacar alguém. Este é um dos aspectos mais importantes da arte de escrever para idiotas. A limitação argumentativa esconde-se em ataques pessoais. Cria-se um inimigo a ser combatido. O inimigo é o mais variado, mas sempre alguém que representa, na fantasia do escritor, o ideal contrário ao dos seus leitores (os idiotas: o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool).
7-    Reduzir tudo a uma visão maniqueísta. Toda complexidade desaparece nos textos escritos para idiotas.  O mundo é apresentado como uma luta entre o bem e o mal, o certo e o errado, o comunismo e o capitalismo ou Deus e o Diabo.
8-    Desconsiderar distinções conceituais. Nos textos escritos para idiotas, conservadores são apresentados como liberais, comunistas são confundidos com anarquistas, etc.
9-    Investir em clichês e ideias fixas. Clichês são pensamentos prontos e de fácil acesso. Sem o esforço de reflexão crítica, os clichês dão a sensação imediata de inteligência. Da mesma maneira, o recurso às ideias fixas é uma estratégia para garantir a atenção do leitor idiota (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) e reforçar as “certezas” em torno das hipóteses do escritor (nesse particular, Goebbels, o chefe da propaganda de Hitler, foi bem entendido).
10-Escrever mal. A pobreza vernacular e as limitações gramaticais são essências na arte de escrever para idiotas. O leitor idiota não pode ser surpreendido, pois pode se sentir ofendido com algo mais inteligente do que ele. Ele deve ser capaz de entender o texto ao ler algo que ele mesmo pensa ou que pode compreender. Deve ser adulado pela idiotice que já conhece ou que o escritor quer que ele conheça.
(Para além do que foi identificado acima, fica a questão para quem deseja escrever para idiotas: como atingir a pobreza essencial na forma e no conteúdo que concerne a essa arte?)
A arte de escrever para idiotas constitui parte importante da retórica atual do poder. Saber é poder, falar/escrever é poder, e o idiota que fala e é ouvido, que escreve e é lido, tem poder. O empobrecimento do debate público se deve a essas “cabeças de papelão”, fato que é identificado tanto por pensadores conservadores quanto por progressistas.
O grande desafio, portanto, maior do que o confronto reducionista entre direita e esquerda, desenvolvimentistas e ecologistas, governistas e oposicionistas, entre machistas e feministas, parece ser o que envolve os que pensam e os que não pensam. Sem pensamento não há diálogo possível, nem emancipação em nível algum.
Se não houver limites para a idiotice, ao contrário da esperança que levou a escrever esse texto, resta isolar-se e estocar alimentos.
Fonte: Revista Cult Online

segunda-feira, 20 de abril de 2015

OS 3 GRANDES MOVIMENTOS DO DIREITO PENAL (por Rogerio Rocha)

Neste vídeo apresento as três principais correntes do pensamento do direito penal na atualidade, os aspectos que compõem seus fundamentos teóricos, com os modelos de sistema penal propostos pelos seus defensores. Os três movimentos apresentados são: o abolicionismo penal, o movimento Law and Order (Lei e Ordem) e o direito penal mínimo (ou do equilíbrio). Entenda o que pensam seus defensores e qual seria, para eles, a missão dos sistemas penais contemporâneos.


quarta-feira, 15 de abril de 2015

A ALEGORIA DA CAVERNA DE PLATÃO E O RITO DE INICIAÇÃO MAÇÔNICA NO GRAU DE APRENDIZ


POR ROGÉRIO HENRIQUE CASTRO ROCHA (M.:M.:)




  


A ALEGORIA DA CAVERNA DE PLATÃO E O RITO DE INICIAÇÃO MAÇÔNICA NO GRAU DE APRENDIZ: UM ESTUDO COMPARATIVO







1 INTRODUÇÃO




O presente estudo tem por objetivo geral analisar os fundamentos simbólicos e filosóficos presentes no rito de iniciação do aprendiz maçônico, abordando, reflexivamente, aspectos doutririos envolvendo a figura do iniciado em seus primeiros passos dentro da vivência efetiva da Instituição Maçônica, especialmente no que diz respeito aos regramentos dispostos no R.: E.: A.: A.:

Propõe-se ainda a empreender breve análise comparativa entre a Alegoria da Caverna de Platão, constante de sua obra “A República (Livro VII) e a cerimônia de entrada do neófito no 1.º grau da maçonaria.




2 O neófito e sua entrada no mundo maçônico




Inicialmente, é importante ter em vista o contexto encontrado no início  da jornada do aprendiz na  caminhada  progressiva  e  ascensionade nossa Emérita Ordem.

O aprendiz maçom é importante frisar até bem pouco tempo, antes de travar o seu primeiro contato com a Arte Real, era um completo profano. Ainda assim, mesmo imerso nos afazeres da vida mundana, tal indivíduo trazia consigo, dentre outras tantas virtudes em potencial, duasem as quais não poderia aspirar sequer à condição de candidato: ser livre e de bons costumes.

É por ser portador destes imprescindíveis requisitos que candidata-se, preenche sua proposta de admissão, passa pelo crivo do exame de seus futuros pares (sobretudo em face dos requisitos legais e morais que lhes são exigidos), submete-se ao ritual iniciático da Cerimônia de Sagração ou Consagração (onde é investido na dignidade do grau) e, após passar por uma série de provas em cerimonial, realiza, por fim, as ‘três viagens’ de purificação simbólica para passar da condão de homem profano à de homem maçom.

Como se sabe, porém, o aprendiz é um neófito, isto é, um iniciante, inexperiente ainda, seja num ofício, seja numa arte ou num saber. É algm que ignora os conhecimentos mais profundos, os detalhes mais complexos, os ditames mais elevados a respeito de determinada técnica, assunto ou saber.



Para Jaime Pusch, citado pelo Irm.: Paulo Thomson de Lacerda, o
Grau de Apr.: M.: é

a fase purgativa e ativa da Inicião. Neste Grau o M.: se dedica ao aprendizado dos mistérios simbólicos básicos, leis, usos, costumes e história geral da Maç.:. Trabalha na P.: B.:. Deve  evoluir  de  homem  bruto,  amorfo,  profano,  o  homem polido, burilado, M.:. (A Trolha, Londrina, nº 308, p. 34, jun.
2012)

É, pois, este homem recém-chegado das lides profanas e recém-nascido maçom, agora inserido no ambiente cerimonioso e solene de uma Loja ou Oficina a quem se denomina aprendiz.

Mas,  afinal, em  termos  simlicos, que  representa  a  Iniciação
Maçônica? E qual relação existe entre esta e a alegoria do filósofo grego?




3 A alegoria da caverna em Platão: a transição humana da ignorância ao saber




Analogicamente, o melhor exemplo para se compreender a trajetória maçônica  do  aprendiz  em  relação  ao  simbolismo  do  rituade  iniciação encontra-se na famosa alegoria da caverna, descrita pelo filósofo grego Plao (séc. V a.C.).

Trata-se de texto que se desenrola em forma de diálogo filosófico e que possui extraordinária riqueza hermenêutica, dele se podendo extrair várias perspectivas de leitura ou sentidos (pedagógico, ético, epistemogico, político, metafísico, etc).

Nele  Platãexede  forma  sistemática,  o  que  seripara  si o modelo de estado ideal, bem assim toda a estrutura societária, moral e pedagógica que ajudariam a formar o rei-fisofo (governante da República) e os demais membros de cada classe social. A República, portanto, encontra-se fundada na crença permanente em que ningm merece progredir dentro de sua sociedade seo como resultado de seus talentos, habilidades e, mais importante de tudo, seu cater. E para isso, o processo de educação é basilar.

Presente no livro VII da obra “A República, a alegoria da caverna nos descreve a cena em que homens, nascidos e acorrentados no interior de uma caverna, nela permanecem sem poder mudar de posição e, portanto, sendo forçados a olhar somente para o fundo da caverna. Nessa parede veem, projetadas pelo sol que adentra uma fresta de entrada, por detrás de um muro pequeno, as sombras e silhuetas de seres e objetos que transitam no mundo exterior.


Na visão dos prisioneiros, acostumados à cegueira do ambiente cavernoso, tudo o que conseguiam admirar nas sombras lançadas sobre a parede à sua frente constituía-se em realidade (o mundo verdadeiro). Do lado de fora, onde transitam pessoas carregando objetos de diversos tipos, o sol brilha com intensidade.

Atrás dos cativos, no interior das trevas e abaixo do sol que invade a entrada superior da caverna, uma fogueira que arde, também projetando sombras ao interior do recinto.

Do mundo externo, ao qual ignoram por completo, também lhes vêm os ecos de vozes, ruídos e sons de toda ordem.

Familiarizados com a escuridão daquele mundo interior, acreditam piamente que tudo o que veem, ouvem e sentem trata-se da mais fiel e única realidade.

Supondo, entretanto, que um dos cativos quebrasse seus grilhões e enfim se voltasse para trás, transpondo o muro e alcançando a saída para o mundo exterior, qual não seria sua surpresa ao deparar-se com o forte clarão da luz do sol, a qual ofuscaria sua visão, tendo de acostumar-se primeiro, para só depois, e gradualmente, divisar uma nova realidade que se descortinava a sua frente.

Tal homem, recém-saído da caverna, alcançaria a luz e descobriria que o que pensava ser real não o era. A realidade verdadeira estava no mundo externo, clareado pela fulgurante luz solar.

Por fim, entenderia o ex-cativo ter vivido em um mundo de ilusões, um mundo de aparências, mero simulacro do real. E que doravante, com a ação que tomara, afastar-se-ia da ignorância e do erro para trilhar as sendas da verdade, do saber e do conhecimento intelivel.

Como se pode depreender, a alegoria platônica, em seus múltiplos contextos interpretativos, opera constantemente com a presença de dualismos ou dicotomias (sabedoria e ignoncia, apancia e realidade, trevas e luz, mundo superior e mundo inferior, etc.). Elementos estes que, como veremos a seguir, também se refletem nas práticas e simbolismos da iniciação maçônica.




4 Das sombras à luz: o itinerário do aprendiz na iniciação maçônica




A Iniciação Maçônica representa, em breves palavras, a Morte e a Ressurreição. A morte das trevas, do obscurantismo em que se encontrava o neófito, e sua renascença para a Luz da Verdade

A luz, tanto no mito platônico quanto na filosofia e simbolismo maçônicos, adquire vários significados, dentre eles o de esclarecimento, evolução, conhecimento, ingresso no universo da interioridade da busca intelectual. 

Não se pode esquecer, num paralelo com a caverna, que um dos prisioneiros ascende à luz, ou seja, sai da gruta, desvencilhando-se de suas cadeias e curando-se de sua ignoncia.

Ao receber a luz”, quando lhe são desvendados os olhos, o iniciado tem-lhe revelados os mistérios do primeiro passo dado na seara do misticismo. Como bem nos lembra Rizzardo da Camino (Breviário maçônico. 6.ed. Madras:  São  Paulo2012,  p.  326),  “o  maçom  e  todos  nós,  estamona escurio e ansiamos pela Luz”.

Então, a partir dessa alise, podemos, desde já, perceber os estreitos liames que enredam a trama tanto do iniciado maçônico em seu trajeto de passagem das celas, das masmorras, da prisão simbólica, da qual emerge ao final de sua sagração quanto a do cativo da caverna platônica.

Assim como o prisioneiro da caverna, o candidato a maçom adentra o templo sem nada ver nem conhecer. Ingressa às escuras, olhos vendados, o conhece ninguém, não sabe o que lhe aguarda, para onde se levado, o que irá acontecer daquele momento em diante. Simbolicamente, entra-se em outro mundo. Nos damos conta do quanto era vã a nossa existência, o quão pouco sabíamos das coisas, dos outros e de s mesmos.

Por horas a fio o iniciado permanece envolto em mistérios, sozinho, consigo mesmo e com seus pensamentos. A angústia e o temor lhe invadem. Dúvidas e inquietações lhe passam à mente. Impressões e sensações a todo instante lhe assombram. Sons pximos e ruídos distantes, vozes, um arrastar de s ou cadeiras, conversas, palavras ditas por pessoas que não sabe ao certo quem são e com que propósito o cercam.

Nesse instante, uma jornada de interiorização se inicia. O candidato, ainda ‘imerso nas sombras’, à espera do momento do início da cerimônia, volta-se para dentro de si mesmo, para sua caverna, nas ‘entranhas da terraonde ora habita, ‘prisioneirode sua ppria ignoncia, ‘acorrentadoaos seus cios e paixões mundanas. Assim como o cativo da obra platônica, vive a ilusão de que a realidade é tal como se lhe parece.

Na Câmara de Reflexões, por breve período, a escurio do ver lhe é amenizada. Em seu lugar surge, por sua vez, a gravidade das questões que lhes são lançadas, novamente a confrontá-lo com seus pprios pensamentos, a inquirir seus princípios, suas ideias, seus medos, sua existência e sua fortaleza espiritual.


Como nos ensina a ppria letra do rito do 1º grau, “o estado de cegueira, em que vos achais, é o símbolo do mortal queo conhece a estrada da Luz, que ides principiar a trilhar.” (Grande Oriente do Brasil. Ritual do 1º Grau: rito escocês antigo e aceito. São Paulo, 2009, p. 106).

Ademais, a analogia que aqui se tenta demonstrar também é notada, ainda no rito de iniciação, quando se faz menção à ligação existente entre o simbolismo da 1ª prova, a da Terra, e a caverna onde estivera recolhido o candidato, ao fazer suas disposições. (Idem, Ibidem, p. 108)

Ao final dessa jornada, consolidando a ideia aqui apresentada de paralelismo entre elementos do mito da caverna em relação a determinadas passagens dentro do ritual de iniciação maçônica, tem-se o momento áureo da cerimônia de sagração: o Fiat Lux(faça-se a luz ou que se lhe a luz).

A passagem das trevas à luz é uma alusão ao difícil trabalho de construção e reconstrução que se fada pedra bruta à pedra polida.

É o encerramento da travessia, o nascimento do novo homem.

No mito platônico corresponderia ao instante em que se passa do mund senve a supra-sensível.   Ou   seja,   trata-se   d caminhada ascendente entre o interior escuro da gruta e o seu exterior iluminado. Ou como bem assevera o filósofo grego, em importante passagem da obra em comento, que teríamos, em verdade, “a reorientação de uma mente de uma escie de cresculo para a verdadeira luz do dia e esta orientação é uma ascensão da realidade, ou em outras palavras verdadeira filosofia. (PLATÃO. A República, 1997).

Representaria, portanto, a passagem da visão da sombra à visão do sol. Do mundo cavernoso dos sentidos e falsas perceões à vida na pura luz, na dimensão do espírito; como que um libertar-se de grilhões. Verdadeira convero que se contempla e se completa na verdade racional que se manifesta à realidade.

As tomar consciência de suas falsas noções da realidade, o cativo/neófito nunca mais voltará a conduzir sua vida do mesmo modo. Ele foi iluminado. Como sustenta o Ir.: Stephen Michalak, essa é a base de toda iniciação. Mais ainda, pois consiste num processo que não acontece, como pode por vezes parecer, apenas e o-só em uma noite. Tal processo perdura por todo o restante dos nossos dias.

A profunda riqueza do mito nos deixa entrever, pois, sem sombra de vidas, elementos da caminhada mônica. Em sua vertente especulativa, vê-se a exigência de uma busca pelo conhecimento e o combate incessante a toda forma de obscurantismo. Em sua vertente operativa, a necessidade de que o saber seja aplicado na transformação do homem e do mundo.




Concluo 



Pretendeu-se, com o presente estudo, traçar uma breve análise comparativa entre a filosofia e o simbolismo presentes no mito ou alegoria da caverna, do filósofo grego Platão, e o ritual iniciático dgrau de aprendiz maçom do R.: E.: A.: A.:. Para tanto, teve-se por referencial teórico nessa pesquisa a doutrina de grandes expoentes da literatura e filosofia maçônicas bem como a exegese da filosofia platônica, a partir da interpretação dos significados encontrados no mito platônico, apresentado mais especificamente no livro VII da sua obra “A República”.

Do que se pôde concluir, após a exposição dos argumentos que serviram de base à referida alise, dentre outras coisas, vê-se que é grande a influência da filosofia platônica nos círculos especulativos e operativos da Maçonaria.

De igual modo, pode-se também afirmar que tal influência precede mesmo, na história, a fundação da ordem em sua configuração mais recente, como produto da modernidade franco-mônica, visto que remonta à época da longínqua antiguidade, bem como ao período medieval, onde o pensamento de Plao foi novamente estudado.

Outrossim, infere-se da leitura interpretativa do texto filosófico de “A República”,  para  além  da  mera  alusão  à  passagem  aqui  citada  de  sua conhecida alegoria, presente no Livro VII, inúmeras outras referências (simbólicas, práticas e epistemogicas), perfeitamente alinhadas aos preceitos ainda hoje constantes dos ritos e ofícios da Maçonaria.

Logo, não nos parece equívoco afirmar a existência de uma conexão lógica, ou seja, de uma correlação de sentidos entre a filosofia platônica e os ritos, simbolismos e a filosofia maçônicas. 
Ambas as concepções mostram-se voltadas, por seu fim, ao desenvolvimento de um autogoverno humano, capaz de permiti-lo, através da reflexão filosófica e da busca de si mesmo, libertar-se das amarras da ignoncia para, enfim, galgar novas escalas no seu aprimoramento pessoal, moral e social, transformando-se e ajudando a transformar para melhor a realidade que o cerca.




Referências




ABRÃO, Bernardete Siqueira. História da filosofia. São Paulo: Nova Cultural,
2004.

AS RAÍZES PLANICAS DO PENSAMENTO MAÇÓNICO. Disponível em:

CAMINO, Rizzardo da. Breviário Mônico. 6. ed. São Paulo: Madras, 2012.

CASTELANI,  José.  Dicionário  de  termos  mônicos.  3.  Ed.  Londrina: A Trolha, 2007.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15. ed. reform. e ampl. o Paulo: Saraiva, 2002.

DELIA JUNIOR,  Raymundo.  Maçonaria:  100  instruções  de  aprendiz.  São
Paulo: Madras, 2012.

GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Ritual do 1º grau: rito escocês antigo e aceito. São Paulo, 2009, p. 106.

LACERDA, Paulo E. Thomson de. Ser aprendiz. A Trolha, Londrina, n.º 308, p.
34-35, jun. 2012.

LIMA, Walter Celso de. Ensaios sobre filosofia e cultura maçônica. São
Paulo: Madras, 2012.

MICHALAK,  Stephen.  A influência  de  “A República de  Platão  sobre  a monaria e o ritual maçônico. Disponível em: <http:// http://bibliot3ca.wordpress.com/platao-e-o-ritual-maconico/        Acesso        em
07/12/2012.
PLAO. A República. trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1997. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga.

Trad. Ivo Stormiolo. o Paulo: Paulus, 2003.